Foi então que eu descobri que o trovadorismo é um verdadeiro saco pra se entender,e pior ainda pra se analizar;mas me esforcei bastante durante 2 dias e acho que fiz uma análise satisfatória.Se alguém discordar da análise,sinta-se a vontade para questionar.
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Conhocedes a donzela
por que trobei, que avia
nome Dona Biringela?
Vedes camanha perfia
e cousa tan desguisada:
des que ora foi casada,
chaman-lhe Dona Charia.
D' al and' ora mais nojado,
se Deus me de mal defenda:
estand' ora segurado
un, que maa morte prenda
e o Demo cedo tome,
quis-la chamar per seu nome
e chamou-lhe Dona Ousenda.
Pero se ten por fremosa
mais que s' ela, por Deus, pode,
pola Virgen gloriosa,
un ome que ....-ode
e cedo seja na forca,
estando, cerrou-lh’ a boca,
chamou-lhe Dona Gondrode.
E par Deus, o poderoso,
que fez esta senhor minha,
d' al and' ora mais nojoso:
do demo dũa meninha,
………………………..-ora,
u lhe quis chamar senhora,
chamou-lhe Dona Gontinha.
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Nesta viagem pela obra de Afonso Sanches, o sujeito poético dirige-se a um
público cúmplice: nos três primeiros versos, pergunta aos ouvintes se
conhecem uma donzela chamada “Biringela” e a quem teria dedicado uns
versos. Logo a seguir, revolta-se, afirmando que, depois de a referida
senhora ter casado, passaram a chamar-lhe “dona Charia”.
Uma breve passagem pelas restantes estrofes leva-nos a descobrir, "facilmente",um paralelismo semântico: sempre indignado, o poeta descobre que a senhora era conhecida por nomes diferentes, conforme era abordada por diferentes homens, sendo que cada um desses nomes aparece sempre no final de cada uma das estrofes.
Há, no entanto, que vincar uma diferença: na primeira estrofe, o verbo “chamar” está na terceira pessoa do plural, ao passo que, nas restantes, surge no singular. Há, ainda, a notar uma outra diferença: a palavra presente no final da primeira estrofe não é exactamente um antropónimo. Efetivamente, “Charia” seria um termo derivado da palavra árabe que designava as concubinas brancas compradas pelos árabes andaluzes. A aceitarmos essa hipótese, poderíamos estar perante um insulto que poderia atingir não só a mulher em causa, mas também o marido, reduzido afinal à condição de mouro.
Todos os outros nomes são antropónimos femininos documentados na Idade Média. Que poderemos, então, conjecturar com base nesta flutuação onomástica? Será que esta senhora teria oferecido favores a vários homens, confessando diferentes nomes a cada um deles? A ser assim, estaríamos na presença de uma verdadeira mulher-demónio, uma autêntica manipuladora de pobres homens, entre os quais o triste sujeito poético, que descobre que não tinha sido o único no coração desta mulher desalmada. As nossas leitoras podem escandalizar-se, chamando a atenção para os milhares de anos de comportamentos masculinos similares. No entanto, não podemos esquecer-nos de que este texto foi escrito por um homem da Idade Média, numa época em que ainda não tinha sido inventada a palavra “feminismo”.